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Rabiscos Soltos

#FIquemEmCasa Em tempos de isolamento social um blog pode ser uma janela para mundo. Fiquem em casa. Leiam. Escrevam. Ajudem. Sejam melhores. Sejam maiores. Mas fiquem em casa.

Rabiscos Soltos

#FIquemEmCasa Em tempos de isolamento social um blog pode ser uma janela para mundo. Fiquem em casa. Leiam. Escrevam. Ajudem. Sejam melhores. Sejam maiores. Mas fiquem em casa.

A solidão também mata

27.04.20, P.

Oiço e leio constantemente referências à distância em relação aos mais velhos, à tristeza da sua solidão, à saudade do abraço.

Já me fizeram alguns reparos quando questiono esta distância. Este “não te vou ver porque gosto de ti” faz-me alguma urticária e, no mínimo, questiono-me.

Falamos tantas vezes de dignidade na morte, de dignidade na vida mas não hesitamos em votar ao isolamento aqueles a quem amamos? 

Não estamos a falar de 14 dias. As primeiras semanas foram importantes porque ninguém sabia se tinha estado ou não exposto, precisámos, a todo o custo, achatar a curva, por nós e pelos outros.

Andamos a falar todos os dias de reabrir a economia, que precisamos voltar ao trabalho, que os restaurantes e as pme's e as outras empresas precisam sobreviver. Falamos de proteger grupos de risco. 

Mas eu penso todos os dias no que significa "proteger grupos de risco".

Tenho a minha mãe comigo. Para sua idade faz parte de um grupo de risco. Tenho também um sogro que, não vive comigo, mas que tb pertence a um grupo de risco. 

Não estar com ambos não é sequer opção. Nenhum aguentaria o isolamento, nenhum nós queremos estar longe. Claro que temos cuidados. Obsessão com lavar as mãos, existência de máscaras, álcool gel, etc. Mas mantermo-nos longe? Não é sequer opção.

Para já, estarmos a trabalhar de casa dá-nos algumas garantias. Ou, pelo menos, alguma segurança que, para já, não se tem mostrado falsa. Mas quando regressarmos ao trabalho sabemos que esses riscos vão aumentar substancialmente. E é por isto que me surpreendo sempre como é que tanta gente parece ser capaz de se manter longe dos seus velhos. Isto é mais uma maratona que os 100 metros. Agora é o momento mais seguro para estar com eles. Acho que no próximo ano não vamos ter outro momento tão seguro.

Significa isto que vamos manter longe filhos e pais, netos e avós, durante meses ou anos? E isso em nome da protecção? 

A solidão também mata, nunca se esqueçam. Prevejo que nos vejamos perante decisões difíceis, muito difíceis, nos próximos tempos.

ajustar expectativas

15.04.20, P.

objectivos para a quarentena:

  • ler muito, pelo menos 1 livro por semana - estado actual: ahahah
  • ver todas as séries de tv que estão por ver  -estado actual: ahahah
  • dormir  - estado actual: tem dias
  • ver pelo menos 1 filme por dia  -estado actual: ahahah
  • fazer exercício físico (aproveitar o nascer do dia para fazer umas caminhadas sozinha)  - estado actual: ahahahahahahaha
  • arrumar a roupa de inverno  - estado actual:  tenho medo de abrir o armário
  • arrumar as gavetas que estão por arrumar há anos estado actual: ahahahahah
  • fazer o irs na primeira quinzena de Abril   - estado actual: ahahah

 

 

 

tudo muda para que tudo fique igual

14.04.20, P.

Imagino que esta época de pandemia seja terreno fértil para os sociólogos, antropólogos, filósofos e estudiosos da humanidade em geral.  O paradigma mudou e nós estamos a mudar todos os dias também. A globalização, as redes sociais, a cultura e a nossa mentalidade fazem com que esta pandemia seja vivida de forma diferente de todas as outras.

Confesso-vos que achei que o mundo ia mudar. Que tudo ia ter que mudar. Fiquei feliz e orgulhosa quando vi que valorizámos claramente a vida humana em detrimento da economia. Afinal, as vidas mais frágeis conseguiram fazer-nos fechar o país, e cada país fechar-se sobre si mesmo de forma a minimizar o número de mortes. 

As ruas ficaram desertas. A economia passou a cingir-se ao essencial. O supérfluo perdeu lugar e ficou para depois. as empresas foram obrigadas a adaptar-se e o teletrabalho foi posto em prática de um dia para o outro. Tudo começou a mudar e os números começaram a corresponder. Subitamente, nós, Portugal, consegue ter um SNS que consegue corresponder. Muita coisa correu mal? Sim, claro. Mas no geral isto está a correr muita bem. Mas ainda não podemos cantar de galo.

O cansaço começa a acumular-se. Estar em casa, com putos, já não tem assim tanta piada. Esta coisa do isolamento social vai custar mais à medida que a temperatura aumenta lá fora e as contas bancárias começam a sofrer. Como temos muita gente a ganhar mal e porcamente, o lay-off não é assim tão interessante como parece. As empresas entraram em stress imediatamente e o desemprego começa a disparar - e ainda não temos consciência do quanto. A economia sofre. Muito. E a economia somos todos nós. Uns mais do que os outros. Sempre os mesmos, é o costume. Não vai ser fácil para ninguém e vai ser muito complicado para muitos

E como tal a conversa começa a mudar. Começa a questionar-se o valor das vidas. Quer dizer, começa a ouvir-se muito mais a palavra "economia" e que a "economia não aguenta" mas não se põe em causa o modelo de vida que permite que a "economia", os famigerados "mercados", sejam quem continua a mandar nesta merda toda. Os adaptámo-nos mas a "economia" não mudará. E se a economia não muda, nada mudará e assim que esta crise passar - porque vai passar - tudo voltará ao mesmo. Sem tirar nem pôr. E isso deixa-me apreensiva e triste. Porque tudo vai mudar mas tudo ficará igual. Ou quase igual, apenas um pouco pior.

 

riscava os dias diferentes do calendário

12.04.20, P.

Há dias mais difíceis que outros. Não pelo "isolamento social". Esse custa-me pouco, já vos disse. Mas os dias diferentes, os dias que deviam ser diferentes porque o calendário assim o indica, são difíceis. Não me apetece comemorar nada. Há muito tempo que não apetece. Não me apetece estar feliz por obrigação.  Não me apetece destacar um dia em vez do outro. Apetece-me que os dias sejam todos iguais. eu sei lidar com essa igualdade, com essa monotonia dos dias. Uns são bons, outros menos bons, muitos maus. Mas aprendemos a lidar com isso. Como lidar com a obrigação do sorriso se o dia não for bom? Não quero dias diferentes. posso riscá-los do calendário?

ponto de situação

02.04.20, P.

Ainda não me fartei de estar em casa, ainda não fiz (quase) nada das coisas que gostava de aproveitar para fazer, ainda não entrei em stress, ainda não tenho vontade de matar nenhum dos outros ocupantes da casa. Já devo ter engordado vários quilos porque faço pouco exercício mas imensa comida. Não tive ainda tempo para ver filmes e séries, uns atrás dos outros. Já me habituei a desligar o telemóvel depois do jantar e só o ligar de manhã. Ando a ler, não ao ritmo a que gostaria mas ao ritmo a que consigo - e isso não é já nada mau. As coisas começam a compor-se na nova empresa mas ainda não conheço nenhum dos novos colegas de trabalho (excepto um, que já é meu amigo há alguns anos). Hoje está sol e, devo estar doente, porque isso me está a deixar bem disposta. Tenho imenso trabalho para fazer mas a ideia de estar a trabalhar de casa e de poder gerir o meu próprio horário é óptima. 

Acho que o problema vai ser, quando tudo isto entrar na normalidade, voltar a habituar-me à rotina.